domingo, 3 de maio de 2009

UMA PROVA

Eu ando cansado, tenho dormido muito mal ultimamente. A semana passada me exigiu um pouco mais de esforço, mental principalmente. Os ensaios e o show deram conta do físico. Não estudei para a prova daquela noite. Prova de interpretação de texto. Já havia feito uma prova de fundamentos da psicologia, me surpreendi com dois pequenos textos para interpretar e comparar. Ao começar a ler o segundo, o sono veio querendo fechar meus olhos. Fiquei irritado. Mas ela estava linda, como sempre. Um vestido grafite, num estilo amarrotado, como um embrulho de presente chic mas de tecido não muito grosso. Ia até a metade da coxa, ou pouca coisa mais abaixo. Não chegava aos joelhos. Grandes botões escuros na frente, até o fim do vestido. O inseparável óculos de armação estreita. O batom discreto, em vermelho claro. Brincos pequenos, argolinhas douradas. Sandália, salto baixo. Sentada com as pernas cruzadas displicentemente, me convidava a evitar a sonolência. Às vezes me olhava, talvez querendo flagrar uma tentativa de cola quando eu apenas coçava o cabelo ou bocejava. Olhava de volta, mas não para seu rosto. Olhava suas pernas pelo vão da mesa. Ligeiramente roliças, mas tive de me concentrar em seu rosto depois que resolveu mudar de posição e trancar de vez o que poderia me dar a visão da noite. Corrigia outras provas enquanto eu deveria estar fazendo a minha. Um ar distraído. Semblante tranqüilo. Talvez pensasse no que faria ao chegar a casa, no que jantaria. No programa do feriadão. Talvez não pensasse em nada e fosse uma pessoa concentrada no que fazia. Assim como eu, concentrado em observá-la enquanto fingia fazer sua prova. Vez ou outra passava a mão na testa, empurrando o cabelo para trás, divido ao meio, castanho escuro, liso, na altura dos ombros um tanto volumoso, não fica escorrido. Em um dado momento, brincava com a ponta de uma mecha da esquerda, enrolava o dedo e tinha um ar adolescente nesta hora como uma jovem deitada sobre sua cama fazendo a tarefa de casa, às vezes mordia a boca no canto direito. O lábio fino escondia-se, voltava a assinalar a prova, mas não largava a mecha, fazia todos os movimentos com leveza, como se fosse paga para ser distraída. Aí se lembrava de estar numa turma fazendo prova. Sua prova. E levantava discretamente os olhos. Todos fazendo as questões, menos eu, preferia resolver a questão de sua imagem. Os cílios curtinhos, não sobressaíam à armação grossa dos óculos que lhe conferiam um ar intelectual, antepondo-se à sua jovialidade. Não fica com cara de menina inteligente fica com cara de mulher. Ao fechar bem a boca, espremendo os lábios, formava voltinhas que delineavam as bochechas. Quase invisíveis, mas que faziam um bom equilíbrio com a ponta do nariz. Arredondado e médio. Tentava vigiar a turma e corrigir provas ao mesmo tempo. Não sabia qual fazia. Não sabia que eu não fazia. Sua prova. Não sabia que me chamava atenção. Mas lhe chamaram. Chamaram à carteira, para tirar uma dúvida. E ela foi à primeira carteira da fileira à minha esquerda. Eu, lá no fundo encostado na parede, observava a reentrância de seu colo, à mostra por ter abaixado para ouvir a aluna. Não é um colo farto, também não raso, é médio equilibrado, como toda a estrutura de seu corpo exceto sua bunda de mulata. Bunda esta, que segurava parte do vestido quando voltava à sua mesa e a fez ajeitá-lo, puxando-o um pouco para baixo antes de sentar deixando bem aparente o contorno de sua calcinha nesta hora. Calcinha média, e só podia ser. Vi também que o puxou para baixo das coxas no último momento ao sentar-se. Não gosta de sentir a cadeira fria em suas pernas, provavelmente. Em seu colo, não reparei marca de biquíni. Não foi à praia no feriadão. Talvez não goste muito de sol, prefere preservar sua brancura de mármore; combina com seu ar angelical, como definiu o jornalista que publicou uma carta para ela, numa dada ocasião. Vi que tem uma pequena pinta no lado direito do colo, no início do seio. Tem também uma pinta igualmente pequena no rosto, no lado direito, perto da maçã. Enquanto ajeitava o vestido, estava de lado, apoiada na mesa; por um breve segundo achei que seus olhos estavam de soslaio em direção à turma. Em direção ao fundo, talvez tenha visto que eu a via. Então vi que era bom começar a fazer a prova.

Um comentário:

  1. To sabendo desse conto. E to sabendo dessa prova também. Cara, tu ta escrevendo bem, bem pra uma prova de oficina =D

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