sábado, 9 de maio de 2009

Agora, somos quem podemos ser...


Lembranças das provas de ensino médio de português e literatura. Lembrança de que eu fazia estas provas com imenso prazer, até cuidado para formular a melhor resposta. Saudades da Renata, minha professora. Nostalgia do quanto eu ficava maravilhado quando recebia uma prova com alguma citação de música ou texto literário. Nostalgia do quanto eu era envolvido por um livro, a ponto de ficar acordado nas madrugadas, lendo.
Uma memória. A sala vazia. Penumbra, sombras na transversal. Um feixe de luz amarela vindo do corredor. Um garoto sentado na ponta do sofá, cansando a vista, debruçado no livro. Repousando no silêncio. Contraído, concentrado, econômico em movimentos. O corpo, parte da mobília da pequena sala bagunçada, acobertada na sombra. Por dentro, um reboliço, um tufão, tremores de placas tectônicas, um mundo em formação.
Por um momento quis trocar de lugar com aquele garoto que eu via de cima. Quis voltar a sê-lo. Alguém que já não sou hoje justamente porque fui ontem e o tempo nos empurra nesta ordem intransponível. Por mais que eu romantize aquilo que vivi, por mais belos que aqueles e todos os meus bons momentos me pareçam estou fadado pelo tempo a ser apenas o que posso ser agora. No presente. É muito fácil nos acomodarmos em memórias felizes como se fossem almofadas confortáveis nas quais deitamos a cabeça e pensamos na vida, nos problemas, tentamos dormir em meio às angústias. Hoje quase não durmo e já quase não sonho, mas vou seguindo sem me ocultar nem meus próprios crimes, sem evitar nem mesmo a dúvida ou a culpa. Agora, é o que posso ser, é o que posso fazer. Eu escrevo, e você?

*Tela de Pablo Picasso – Mulher Lendo

Um comentário:

  1. De dia envelheço e a noite conto estrelas...de qualquer forma é só uma meneira de ver o tempo passar.

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