terça-feira, 26 de maio de 2009



A Garota de Cabelo Vermelho


Nós parecíamos melhores que hoje
Porque a gente não se conhecia,
Talvez seja o melhor para uma relação.
Mas se eu digo que estou confuso,
Você me corta e diz que está tudo bem.
Oh, às vezes eu quero te chamar de minha garota
Mas eu nunca sei como dizer.


Não sei se posso lhe definir
Mesmo diante de um espelho,
Ao menos você sempre é
A garota de cabelo vermelho.

Quando eu tento lhe dizer alguma coisa,
Você sempre responde: - Eu já sei.
Então são tantas coisas à nossa volta.
Nossos amigos, seus tios, minha família.
Um segundo de olhares, e a gente só ria.
Talvez eu tenha entrado
Para sua vida eternamente
Talvez não mais que uma missão,
Ou um mero flerte.
Mas tantas noites em claro,
Tantas conversas mal dormidas.
De manhã me olhava e sorria,
Eu me pergunto agora
Quem sou eu mesmo

Não sei se posso lhe definir
Mesmo diante de um espelho,
Ao menos você sempre é
A garota de cabelo vermelho.

Será que você tem tanto poder
De me surpreender.
Eu me deixei ser levado
E agora estou livre demais
Para voltar...

Ela tem o cabelo vermelho,
E à noite parece em chamas
Quando dança na minha frente,
Incendiando minha vida.


*Foto: Josiane

quinta-feira, 21 de maio de 2009

E tudo terá jeito, e nada terá fim


Assim era a vida do Serafim.

Todo dia Sim. Todo dia assim.

Acordar, correr, trabalhar, se cansar,

Trabalhar, voltar, mas nunca chegar.

Nunca respirar. Deitar já de pé.

Já com pressa. Depressa.


Achava que pensava, mas não sentia.

Só pressentia que nada tinha.

Que nunca seria, isso ele sabia.

Rotina, labuta, fumaça, cachaça.

Sai, em pé de pressa. Espera, em pé.

Cansa, senta, levanta. Volta, chega.

Não vê que a hora anda, mas seu tempo corre.

Quase morre e não se crê.


Talvez sonhara, que fosse livre longe da repetição,

Talvez um dia tenha coração.

E tudo terá jeito, e nada terá fim...

Assim era a vida... Do Serafim.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Boa Noite


Não sei aí, mas aqui paira um fino véu de névoa. Está lindo. O tempo seco, o céu num azul marinho bem escuro e firme, o ar geladinho, quase me faz cócegas ou me dá vontade de tossir se inspiro muito forte e parece que estende a luz das lâmpadas e parece que me envolve, como se uma aura terna e delicada me cobrisse, me abraçasse e parece que... É encanto, de diamante quebrado, pó no ar... Você é minha reticência preferida. Ouço Ode to My Family – Cranberries, assim a voz de Dolores O'Riordan paira junto da névoa dando a ela uma alma, uma forma, fazendo-a brilhar.
Eu queria tocar seu rosto agora. Um toque só, que fosse um afago. E que forma a névoa toma? Qual a cor da alma que ela tem? O que diz a tradução da letra? Essas perguntas não importam. Importa que estejam aqui, a passear em volta e dentro de mim. Eu inspirei o sopro da noite e compreendi além da forma, além do sentido que o tolo vê. Não importa como vou dizer. Se eu sinto, importa que eu diga. Se eu digo, acontece. Tudo de novo, a névoa passando para fora de mim. Inspiro fundo. Alma de gelo nos meus pulmões, as notas cintilam na minha cabeça. E neste momento eu sou a alma e a nota. Eu sou a ternura na boca da moça. Eu sou o brilho que flutua. E eu vou notívago, antes que os raios de sol me descubram, até você num beijo transparente... Boa Noite.

sábado, 9 de maio de 2009

Agora, somos quem podemos ser...


Lembranças das provas de ensino médio de português e literatura. Lembrança de que eu fazia estas provas com imenso prazer, até cuidado para formular a melhor resposta. Saudades da Renata, minha professora. Nostalgia do quanto eu ficava maravilhado quando recebia uma prova com alguma citação de música ou texto literário. Nostalgia do quanto eu era envolvido por um livro, a ponto de ficar acordado nas madrugadas, lendo.
Uma memória. A sala vazia. Penumbra, sombras na transversal. Um feixe de luz amarela vindo do corredor. Um garoto sentado na ponta do sofá, cansando a vista, debruçado no livro. Repousando no silêncio. Contraído, concentrado, econômico em movimentos. O corpo, parte da mobília da pequena sala bagunçada, acobertada na sombra. Por dentro, um reboliço, um tufão, tremores de placas tectônicas, um mundo em formação.
Por um momento quis trocar de lugar com aquele garoto que eu via de cima. Quis voltar a sê-lo. Alguém que já não sou hoje justamente porque fui ontem e o tempo nos empurra nesta ordem intransponível. Por mais que eu romantize aquilo que vivi, por mais belos que aqueles e todos os meus bons momentos me pareçam estou fadado pelo tempo a ser apenas o que posso ser agora. No presente. É muito fácil nos acomodarmos em memórias felizes como se fossem almofadas confortáveis nas quais deitamos a cabeça e pensamos na vida, nos problemas, tentamos dormir em meio às angústias. Hoje quase não durmo e já quase não sonho, mas vou seguindo sem me ocultar nem meus próprios crimes, sem evitar nem mesmo a dúvida ou a culpa. Agora, é o que posso ser, é o que posso fazer. Eu escrevo, e você?

*Tela de Pablo Picasso – Mulher Lendo

domingo, 3 de maio de 2009

UMA PROVA

Eu ando cansado, tenho dormido muito mal ultimamente. A semana passada me exigiu um pouco mais de esforço, mental principalmente. Os ensaios e o show deram conta do físico. Não estudei para a prova daquela noite. Prova de interpretação de texto. Já havia feito uma prova de fundamentos da psicologia, me surpreendi com dois pequenos textos para interpretar e comparar. Ao começar a ler o segundo, o sono veio querendo fechar meus olhos. Fiquei irritado. Mas ela estava linda, como sempre. Um vestido grafite, num estilo amarrotado, como um embrulho de presente chic mas de tecido não muito grosso. Ia até a metade da coxa, ou pouca coisa mais abaixo. Não chegava aos joelhos. Grandes botões escuros na frente, até o fim do vestido. O inseparável óculos de armação estreita. O batom discreto, em vermelho claro. Brincos pequenos, argolinhas douradas. Sandália, salto baixo. Sentada com as pernas cruzadas displicentemente, me convidava a evitar a sonolência. Às vezes me olhava, talvez querendo flagrar uma tentativa de cola quando eu apenas coçava o cabelo ou bocejava. Olhava de volta, mas não para seu rosto. Olhava suas pernas pelo vão da mesa. Ligeiramente roliças, mas tive de me concentrar em seu rosto depois que resolveu mudar de posição e trancar de vez o que poderia me dar a visão da noite. Corrigia outras provas enquanto eu deveria estar fazendo a minha. Um ar distraído. Semblante tranqüilo. Talvez pensasse no que faria ao chegar a casa, no que jantaria. No programa do feriadão. Talvez não pensasse em nada e fosse uma pessoa concentrada no que fazia. Assim como eu, concentrado em observá-la enquanto fingia fazer sua prova. Vez ou outra passava a mão na testa, empurrando o cabelo para trás, divido ao meio, castanho escuro, liso, na altura dos ombros um tanto volumoso, não fica escorrido. Em um dado momento, brincava com a ponta de uma mecha da esquerda, enrolava o dedo e tinha um ar adolescente nesta hora como uma jovem deitada sobre sua cama fazendo a tarefa de casa, às vezes mordia a boca no canto direito. O lábio fino escondia-se, voltava a assinalar a prova, mas não largava a mecha, fazia todos os movimentos com leveza, como se fosse paga para ser distraída. Aí se lembrava de estar numa turma fazendo prova. Sua prova. E levantava discretamente os olhos. Todos fazendo as questões, menos eu, preferia resolver a questão de sua imagem. Os cílios curtinhos, não sobressaíam à armação grossa dos óculos que lhe conferiam um ar intelectual, antepondo-se à sua jovialidade. Não fica com cara de menina inteligente fica com cara de mulher. Ao fechar bem a boca, espremendo os lábios, formava voltinhas que delineavam as bochechas. Quase invisíveis, mas que faziam um bom equilíbrio com a ponta do nariz. Arredondado e médio. Tentava vigiar a turma e corrigir provas ao mesmo tempo. Não sabia qual fazia. Não sabia que eu não fazia. Sua prova. Não sabia que me chamava atenção. Mas lhe chamaram. Chamaram à carteira, para tirar uma dúvida. E ela foi à primeira carteira da fileira à minha esquerda. Eu, lá no fundo encostado na parede, observava a reentrância de seu colo, à mostra por ter abaixado para ouvir a aluna. Não é um colo farto, também não raso, é médio equilibrado, como toda a estrutura de seu corpo exceto sua bunda de mulata. Bunda esta, que segurava parte do vestido quando voltava à sua mesa e a fez ajeitá-lo, puxando-o um pouco para baixo antes de sentar deixando bem aparente o contorno de sua calcinha nesta hora. Calcinha média, e só podia ser. Vi também que o puxou para baixo das coxas no último momento ao sentar-se. Não gosta de sentir a cadeira fria em suas pernas, provavelmente. Em seu colo, não reparei marca de biquíni. Não foi à praia no feriadão. Talvez não goste muito de sol, prefere preservar sua brancura de mármore; combina com seu ar angelical, como definiu o jornalista que publicou uma carta para ela, numa dada ocasião. Vi que tem uma pequena pinta no lado direito do colo, no início do seio. Tem também uma pinta igualmente pequena no rosto, no lado direito, perto da maçã. Enquanto ajeitava o vestido, estava de lado, apoiada na mesa; por um breve segundo achei que seus olhos estavam de soslaio em direção à turma. Em direção ao fundo, talvez tenha visto que eu a via. Então vi que era bom começar a fazer a prova.